Da Conjugalidade à Parentalidade

Com a chegada do primeiro filho haverá uma transformação no sistema familiar, na medida em que este é um dos marcos da mudança de fase no ciclo vital da família. Se até então o casal estava concentrado na sua vida conjugal, a par dos respectivos percursos individuais, há agora uma nova configuração: as duas pessoas continuarão a viver a sua vida conjugal, as suas vidas pessoais e profissionais, com a nova função ao nível da parentalidade – serão pai e mãe.

Podemos considerar que o grande desafio para o casal reside precisamente em viver a parentalidade em pleno, adaptando a vida conjugal à nova realidade. Os elementos do casal irão deparar-se com uma nova imagem de si e do outro, bem como irão experimentar emoções novas em qualidade e intensidade, sendo que este processo de transformação decorre de forma muito rápida e acompanhada de aprendizagens constantes na prestação dos cuidados ao bebé, com um sentido de responsabilidade muito grande para além de incertezas constantes. Assim, ter um filho implica não só dar vida a um novo ser humano como a um novo casal.

A par das transformações intrínsecas ao sistema conjugal, há ainda a redefinição das relações com as respectivas famílias de origem: o casal deixa de ser a geração mais nova para integrar uma geração intermédia – “sobe de geração” – e na família de origem surgem novos papéis de avós, tios, primos, etc. que irão participar e influenciar de algum modo a dinâmica dos novos pais com o seu bebé, com uma habitual reaproximação. A forma como é gerida a relação do casal com cada uma das famílias de origem poderá ser também um factor facilitador ou não desta nova fase de vida.

A vivência desta fase depende naturalmente da qualidade da relação até então e das expectativas de ambos – agora mais do que nunca os elementos de casal irão beneficiar de viverem em função do “nós”, por oposição ao “eu”, de uma relação baseada na cooperação, por oposição à competição (quem tem mais direitos, quem está a dar o maior contributo, etc). A coesão e suporte mútuo no casal são facilitadores para ultrapassar o incontornável stress que irão experienciar. Estudos realizados por Gottman (1999) demonstraram que ao final de um ano após o nascimento do primeiro filho, 70% das mulheres sentem grande insatisfação com o casamento, sendo que a insatisfação dos maridos aparece mais tarde, como uma reacção à infelicidade da esposa. Para que a conjugalidade seja preservada, há que clarificar e ajustar expectativas, partilhar emoções e encontrar um reequilíbrio na relação, definindo limites e papéis, tendo em vista a evolução da família que irá continuamente acontecer, procurando soluções e recursos para cada momento.

Sendo uma fase de grande entusiasmo para com a chegada da criança, é natural, e dado o vínculo criado entre mãe e filho, que diminua a disponibilidade para investir na relação conjugal. Há efectivamente uma fase de grande desgaste físico, com falta de sono, com uma atenção muito direccionada para a criança. Contudo, o casal deverá preservar-se – se é verdade que, em grande parte dos casais, há um decréscimo na satisfação conjugal, tal não tem a ver com as tarefas parentais em si, mas com a ausência de tempo destinada à vivência conjugal. O par conjugal não o deixa de ser por se tornar também num par parental – são papéis diferentes que devem ser considerados e ajustados ao longo do tempo. Retirar algumas horas por semana ou mês para a vida conjugal, para a sua vivência ao nível romântico e/ou sexual, mesmo que passe por agendar esses momentos, promoverá uma relação mais gratificante com ganhos também para a criança, na medida em que irá aumentar a satisfação individual (e conjugal) e diminuir os níveis de stress. O espaço conjugal continua a ser importante mesmo depois de criado o espaço parental – seja para um jantar a dois, um passeio, cinema ou para a sua vida sexual (note-se que esta é uma das áreas que preocupa alguns casais, por sentirem algum decréscimo de desejo; contudo o casal poderá falar entre si e encontrar maneiras de melhorar a sua sexualidade, partilhando e ajustando os seus desejos e anseios).

Até ao momento do nascimento, tudo acontece no mundo da fantasia – o bebé em si, ser pai, ser mãe, a relação com as famílias de origem, a continuidade da carreira, etc. Acima de tudo é muito positivo, de forma a facilitar uma entrada gratificante na parentalidade, que ambos os elementos queiram ter um filho. Facilitará aos futuros pais partilharem as expectativas e anteciparem algumas situações: o que esperam um do outro? Como irão lidar com as respectivas famílias de origem? Como pretendem gerir as tarefas? Em termos económicos vão necessitar de apoio exterior? A casa está preparada para receber a criança? Estas são algumas das questões que poderão ser tidas em conta. Na fase de preparação do casal é ainda importante ter claro que o nascimento de um novo filho não satisfaz eventuais necessidades de resolver problemas conjugais – a este nível, caso se considere, poderá ser útil procurar um profissional de ajuda da área da terapia de casal.

Se é tempo de stress, é também tempo de grande alegria e beleza! Trazer um novo ser que nasce da relação e que contribuirá para uma nova dinâmica na família poderá ser fonte de grande felicidade. Como qualquer mudança, haverá transformações e novas realidades criadas. O casal terá uma fase tão gratificante quanto conseguir aproveitar a oportunidade única de crescimento pessoal e familiar, preparando-se assim para outros momentos do seu ciclo vital. A parentalidade é uma realidade criada para a vida que deve ser vivida de forma positiva e cooperante entre o casal. Aprender a ser pai ou mãe acontece na relação do dia-a-dia com o filho (por mais livros que se leiam ou conselhos que se recebam!) nas experiências vividas e emoções experimentadas. É na dinâmica dos elementos da família que os momentos felizes são criados e os sorrisos partilhados.

 

Referências Bibliográficas:
Biscotti, O. (2006). Terapia de Pareja – Una mirada sistémica. Lumen Hvmanitas.
Gottman, J. & Silver, N. (2001). Os 7 Princípios do Casamento. Ed. Pergaminho.
Relvas, A.P. (1996). O Ciclo Vital da Família – Perspectiva Sistémica. Ed. Afrontamento.
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