A morte de alguém que nos é querido traz uma dor profunda e cada um de nós reage e vive esta dor de um modo e num tempo específicos. Lidar com a perda e adaptarmo-nos a uma ausência é o que se chama o processo de luto. Considerando a proposta de Kübler-Ross, no processo de luto passamos por uma fase inicial de negação em que de algum modo continuamos a aguardar um telefonema e cuidamos dos seus bens (“Não é verdade! Não pode ter acontecido…”), não raras vezes passamos por um período de raiva e revolta com a situação (“porquê a mim?! Porque levaram esta pessoa que me é tão querida?!”). Outra fase considerada pela autora é a negociação, em que tendemos a fazer promessas de nos tornarmos ‘melhores pessoas’ se nos derem de volta a pessoa (ou situação) perdida. Geralmente passamos para a fase de depressão em que vivenciamos a tristeza – esta pode ser reactiva e passageira ou pode tomar proporções de maior gravidade. Um “luto normal” pode levar até cerca de 2 anos e termina na fase da aceitação, em que conseguimos voltar a criar laços e a dedicar-nos à Vida, lembrando-nos de quem partiu com tristeza, mas sem nos devastar emocionalmente.
Cada um de nós passa por estas diferentes fases com maior ou menor intensidade e numa sequência própria (muitas vezes, depois da fase de negociação voltamos à fase de raiva e cólera, ou negação) de acordo com a nossa própria personalidade, a fase de vida em que estamos, a qualidade da relação com a pessoa que perdemos, a causa de morte (morte natural, acidente, suicídio, homicídio ou outro), a idade do falecido, a rede social que temos (familiares, amigos ou profissionais de ajuda com quem podemos falar sobre as nossas emoções). Integramos a perda na nossa vida, guardando memórias de momentos passados com essa pessoa. Aprendemos a cada passo a lidar com a finitude da vida, com a imprevisibilidade e a fatalidade. Aprendemos a criar uma nova relação com a pessoa que saiu fisicamente da nossa vida, transformando a sua presença nas doces memórias que nos confortam.
Há situações em que o luto se mantém durante anos e em que as pessoas não conseguem aceitar ou reorganizar-se emocionalmente. Poderá acontecer entrar numa depressão major, em que há um sentimento não só do vazio no mundo exterior, mas também um vazio interior, um sentimento de desesperança, com impacto significativo na auto-estima É contudo importante lembrar que há inúmeras emoções e sensações que podemos ter que, não obstante poderem parecer bizarras ou indicadoras de doença, são naturais no processo de luto: sentir a presença, pensamentos confusos, sonhos recorrentes e mesmo algum tipo de alucinações visuais e auditivas. É ainda comum haver alterações ao nível físico, como sensação de peito oprimido, alterações do apetite, digestão, sono ou fadiga. Com alguma frequência ocorrem também alterações de comportamentos das pessoas em luto como ansiedade, agitação, isolamento social, falar alto com o falecido, guardar os seus bens, etc. (Worden, J.W., 2004).
A nossa cultura orienta-nos cada vez mais para o ter e acumular, preparando-nos pouco para o que é transitório, para dizer adeus. Quando as pessoas morrem, não voltam. Encarar esta realidade é uma tarefa do processo de luto (Worden, J.W., 2004) e um desafio às emoções que sentimos. Temos dificuldade em aceitar. Queremos ter, não perder ou lidar com o efémero, o que não é constante. Trata-se assim de um desafio para refazer a vida de forma gratificante, com tempo e sem sentimentos de culpa ou dívida. Voltar a criar laços com a vida, com harmonia.
Se experienciamos uma fase difícil em termos emocionais, é incontornável o impacto que tal tem na dinâmica da nossa família. O luto é vivido de uma forma tanto mais saudável, quanto é possível e natural falar da morte, da pessoa que morreu, do que sentimos no velório, no enterro. Do que sentimos ao entrar no quarto do falecido, ao olhar a sua cadeira, as suas flores, a sua roupa, o seu perfume. Quando os elementos da família se sentem à vontade para chorar e falar sobre a morte, a tristeza, a saudade, mais capacitados estão para que o luto seja feito de um modo saudável e encontrem um novo equilíbrio. Os rituais em torno do luto constituem assim, independentemente da cultura em questão, um excelente recurso para encarar a realidade, partilhar o que se sente. Mesmo as crianças têm ganhos do ponto de vista do seu desenvolvimento emocional, quando lhes é explicada com naturalidade a morte, quando podem participar nestes rituais, quando podem expressar o que sentem (Bowen, M., 1991).
Ao perdermos um dos pais ou avós, o cônjuge, um irmão ou um filho, não só sentiremos a falta da pessoa e do que de bom tínhamos naquela relação afectiva, mas também das funções que ocupava em termos práticos: o suporte económico, gestão das tarefas domésticas, as actividades de lazer realizadas em conjunto ou o apoio a outros familiares. Há uma reorganização das tarefas, da economia familiar, do próprio espaço (desfazendo o quarto do filho ou separando as roupas e bens de um dos pais ou avós) e de todo o quotidiano. Realizar estas tarefas familiares, a par das ‘tarefas do luto’ individuais tornam esta fase mais desafiante. Quanto mais a família tiver uma dinâmica de suporte e respeito pelas necessidades individuais de cada elemento, quanto mais flexível e disponível para a mudança, mais ágil e saudável (embora sempre dolorosa) será a reorganização.
Naturalmente que não existe uma forma certa de fazer o luto. Este traz sempre sofrimento. O fundamental é no tempo de cada um, ir avançando e procurando outras formas de lidar com a realidade, com a vida. Por vezes, poderemos sentirmo-nos demasiado sozinhos ou incompreendidos e, nesse sentido, poderá ser útil procurar ajuda profissional através de psicoterapia individual, familiar ou grupos de ajuda mútua (como é o caso da Associação Laços Eternos)
A dor do adeus tem de ser vivida para que o reencontro com a vida aconteça de forma harmoniosa.
Referências Bibliográficas: Worden, J.W. (2004). El tratamento del duelo: asesoramiento psicológico y terapia. Ed. Paidós. Bowen, M. (1991). De la família al individuo – La diferencición del sí mismo en el sistema familiar. Ed. Paidós. Kubler-Ross, E. (1997). On death and dying. Ed. Touchstone